66 LINHAS NA CIDADE SITIADA
Atravessando tranquilo as ruas e praças de Vitória,
Como cada dia indo para o trabalho ou para onde os amigos,
De repente penso perturbado
Que fazer isso ai mesmo
É deveras perigoso muitos dias,
E calculo, olhado desde o alto das casas,
A visão precisa, o ánimo a tremer,
Quem elegiria o franco-atirador,
Donde viria a bala
Que me converteria numa flor de sangue negro,
Pois essa praça larga demais é suspeitosa. Essa rua.
O parque rodeado de casas altas.
Tenho ouvido que nos parques de Sarajevo
Já não há árvores,
Porque os habitantes as cortaram para aquescer as casas,
E de repente penso perturbado
Que na minha casa não tenho um local adequado para fazer fogo.
Além disso, a minha rua está cheia de edifícios oficiais,
E como as repartições guvernamentais costumam ser importantes
Em época de guerra,
De repente penso perturbado
Na rua convertida em zona de conflito e que
A minha casa de Sarajevo
Poderia estar, talvez, destruida.
Como se arranja aquele que eu sou em Sarajevo?
Vai ainda para o trabalho, por exemplo? Ou
Esses costumes vulgares há muito desapareceram?
E de repente penso perturbado
Que seguramente as escolas estarão fechadas,
A minha, aliás, fica ao outro lado da estrada do comboio,
Perto da estação,
E comboios e estações poderiam ser coisas necessárias de controlar
Em época de guerra.
Aguardar longo tempo cartas que não chegam
E não poder escrever novas.
Como faço as compras em Sarajevo?
Por um quilo de patatas que custa dez marcos
Passo horas fazendo somas e substrações
Mas o resultado é sempre a fome.
E de repente penso perturbado
Que a fome, o frio, o terror, as filas, a má sorte
São os costumes mais vulgares
Em época de guerra.
A cidade já está dividida,
As fronteiras internas são feridas
E o sangue destas feridas não é metáfora,
Para além das vias os inimigos dos amigos,
Para aquém da ponte os amigos dos inimigos.
Como me adaptaria eu à situação que se adaptaria a mim?
E de repente penso perturbado
Que mamã mora no Oeste e eu, porém, no Centro
E dois bairros, o do meu irmão e o meu, podem estar mais longe
Em época de guerra,
E que estas divisões são sempre imprevistas e cruéis,
E cá estou porque naquela noite vim jantar à tua casa.
Não faltam nos arredores de Vitória
Locais adequados para colocar a artilharia,
Os montes de Vitória ou Zaldiaran
Não serão tão lindos como o monte Ilidza,
Mas desde ali as bombas lançadas podem fazer um bom trabalho.
E depois ir a pé pelas estradas fora, com a carga às costas,
Citadino sem cidade,
No verão há bochorno, no inverno gela,
Perdido em caminhos que não levam para lado nenhum,
À procura de onde não existe protecção;
A questão é seguir vivo até aos acordos de paz serem assinados.
Que o diabo não escreva um outro 6.
© Rikardo Arregi Diaz de Heredia
© itzulpenarena: Xabier Aroz